O Prisioneiro

Folie Nômade
4 min readMar 11, 2022

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O prisioneiro.

Estou num quarto escuro, as janelas fechadas, a porta trancada. A luz mal entra por entre as frestas das janelas, entra tímida, dando um ar macabro ao cômodo. Meu sequestrador me mantém em cárcere, me observa a cada 10 minutos com um olhar de julgamento, me permite viver minha vida normalmente, trabalho, lazer tudo. Mas ele está lá vigiando. Não sei mais quantos dias, meses, anos fazem que estou nessa condição de prisioneiro. Não consigo entender meu sequestrador, nem suas intenções nem sua finalidade em me manter prisioneiro. Tudo o que sei sobre ele até agora é que ele me mantém nesse cômodo, e fica me vigiando constantemente, de outro cômodo, numa posição privilegiada. Não teve uma vez que não verifiquei se ele estava realmente observando, ou se tinha baixado a guarda, que eu não tive a confirmação de uma eterna vigília, um olhar que perdura, que está sempre alerta. Aqueles olhos. Mas quem é ele? quem é a pessoa que me mantém prisioneira por 2 anos, não fala uma palavra, não responde minhas perguntas, ignora meus gritos, e observa tudo como um detetive contratado. Qual o motivo de me manter prisioneiro, nessas condições, sem explicação, sem recompensa. Não é dinheiro, não é perversão sexual. Ele nunca tocou em mim. Sempre observando pela fresta da porta ou pela viseira que separa meu cômodo do dele. Porque alguém manteria alguém prisioneiro assim? E como ninguém ainda achou estranho e veio atrás de mim? Eu já falei inúmeras vezes para meus amigos íntimos, a minha situação. Disse que um Psicopata tinha me aprisionado, disse que estava sofrendo torturas, mas nenhum deles parece ligar muito pra situação. Alguns deles me visitam e não desconfiam de nada estranho. São cordiais com meu sequestrador, entram na minha cela e dizem que eu preciso ‘’respirar novos ares’’ dizem que estou tempo demais excluso, e me chamam pra sair. Quando aceito o convite, no momento que deveria estar indo a tal lugar, sou impedido pelo Psicopata, e meus amigos dizem que eu estou distante. Eu digo — Cara eu quero ir, mas o cara que me sequestrou não deixa, ele está me impedindo, alguém faça alguma coisa. Eles riem, e dizem que eu preciso estar mais presente. Dizem que sente minha falta, e que o bar sem mim não é a mesma coisa. Eu me esguelo à gritar e falar que eu não queria não ir, que eu estou numa condição de cárcere. Mas de alguma forma, não sei se é uma bruxaria ou sei lá que merda, ninguém, nunca, nem mesmo os mais próximos, desconfiam do meu sequestro. Abraçam meu sequestrador, dizem que ele esta fazendo um bom trabalho. Ninguém coloca em prova a índole dele, antes, admiram, agradecem por cuidar de mim. Me veem como alguém debilitado, fraco, doente, e que meu sequestrador está encarregado de um certo tipo de missão divina para cuidar de mim. eu digo:

-Caralho, esse filho da puta está me mantendo preso, eu não quero estar aqui.

E me respondam : ‘’Você só ira melhorar quando entender que VOCÊ é responsável por sua vida. Quando evitar o vitimismo.

-Não, você não esta entendendo.. Esse maldito me mantém preso, não me deixa sair. Já tentei várias vezes e todas elas ele até agiu de maneira violenta para me impedir. Porque acreditam nele?

-Amigo, eu confio que você vai sair dessa. Seu cuidador pode te ajudar, ele é uma boa pessoa.

Sinto como se eu falasse uma língua desconhecida, ninguém me da ouvidos. Falo, falo e falo, e não entendem nada do que digo. Nenhuma palavra. Nem minha mãe, nem meu Pai, nem mesmo meus melhores amigos. Eu falar é a mesma coisa que não falar. É como se o que eu falasse não fosse assimilado por ninguém. Me ouvem, mas pelo teor das respostas, entendem algo completamente diferente. E quando digo que se enganaram, fingem que não ouviram, e continuam falando como se eu estivesse debilitado, como se eu fosse um coitado que precisa de cuidados, como se meu cuidador, o filho da puta do meu sequestrador, fosse meu porta-voz. No começo achei que era uma pegadinha dos meus amigos, porque quando me encontrei aprisionado por ele, e quando eles vieram me visitar e fingiam que nada entendiam, ou nada entendiam mesmo, pensei que era alguma piada de mau gosto. Ao longo do tempo percebi que não se tratava de uma piada, e o absurdo foi se tornando mais real. Todos eles vinham cheios de mensagens inspiradoras, e conselhos de como eu deveria lutar pela minha vida, buscar achar amor por ela, como eu era especial e como eu deveria viver a vida e agradecer por ela. Como existem muitos que sofrem, como o mundo é perverso e que se estamos aqui é porque somos privilegiados.

-caralho, você é cego? — eu dizia — tá vendo aquele arrombando ali? ele me sequestrou. Fala para ele me soltar dessa merda de cômodo. Acha que eu quero ficar aqui? Vocês estão loucos, todos cegos.. que porra é essa?

-Cara, você não deve culpar ninguém por coisas que você tem que fazer — me diziam — você deve reagir, é algo que só você pode fazer por você

-MAS TEM UM PSICOPATA ME IMPEDINDO. VOCÊ VIU ELE, FALOU COM ELE.

-Deve-se evitar o vitimismo. Você deve tomar régias da sua vida

-Ah, vai toma no seu cu, some daqui.

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